"Primeiro Deus criou o homem, mas depois... bom, depois Ele teve uma idéia melhor", bem melhor!

domingo, 14 de março de 2010

Uma vida interessante, por Martha Medeiros

Faz tempo que não cito a Martha e estava com saudades dela...

UMA VIDA INTERESSANTE

"E, se eu lhe disser que estou com medo de ser feliz pra sempre?" pergunta ao seu analista a personagem Mercedes, da peça Divã, que estréia hoje em Porto Alegre.

É uma pergunta que vem ao encontro do que se debateu dias atrás num programa de tevê. O psicanalista Contardo Calligaris comentou que ser feliz não é tão importante, que mais vale uma vida interessante. Como algumas pessoas demonstraram certo desconforto com essa citação, acho que vale um mergulhinho no assunto.

"Ser feliz", no contexto em que foi exposto, significa o cumprimento das metas tradicionais: ter um bom emprego, ganhar algum dinheiro, ser casado e ter filhos.

Isso traz felicidade? Claro que traz. Saber que "chegamos lá" sempre é uma fonte de tranqüilidade e segurança. Conseguimos nos enquadrar, como era o esperado. A vida tal qual manda o figurino. Um delicioso feijão-com-arroz.

E o que se faz com nossas outras ambições?

Não por acaso a biografia de Danuza Leão estourou. Ali estava a história de uma mulher que não correu atrás de uma vida feliz, mas de uma vida intensa, com todos os preços a pagar por ela. A maioria das pessoas lê esse tipo de relato como se fosse ficção. Era uma vez uma mulher charmosa que foi modelo internacional, casou com jornalistas respeitados, era amiga de intelectuais, vivia na noite carioca e, por tudo isso, deu a sorte de viver uma vida interessante. Deu sorte?

Alguma, mas nada teria acontecido se ela não tivesse tido peito. E ela sempre teve. Ao menos, metaforicamente.

Pessoas com vidas interessantes não têm fricote. Elas trocam de cidade. Investem em projetos sem garantia. Interessam-se por gente que é o oposto delas. Pedem demissão sem ter outro emprego em vista. Aceitam um convite para fazer o que nunca fizeram. Estão dispostas a mudar de cor preferida, de prato predileto. Começam do zero inúmeras vezes. Não se assustam com a passagem do tempo. Sobem no palco, tosam o cabelo, fazem loucuras por amor, compram passagens só de ida.

Para os rotuladores de plantão, um bando de inconseqüentes. Ou artistas, o que dá no mesmo. Ter uma vida interessante não é prerrogativa de uma classe. É acessível a médicos, donas de casa, operadores de telemarketing, professoras, fiscais da Receita, ascensoristas.

Gente que assimilou bem as regras do jogo (trabalhar, casar, ter filhos, morrer e ir pró céu), mas que, a exemplo de Groucho Marx, desconfia dos clubes que lhe aceitam como sócia. Qual é a relevância do que nos é perguntado numa ficha de inscrição, num cadastro para avaliar quem somos? Nome, endereço, estado civil, RG, CPF. Aprovado.

Bem-vindo ao mundo feliz.

Uma vida interessante é menos burocrática, mas exige muito mais.

Martha Medeiros, em 22 de março de 2006, mas me cai como uma luva hoje!

17 comentários:

  1. Fê,
    CAiu como uma luva
    bjs,
    Cris

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  2. Fê, nem imagina como que gostei do texto, eu amei de paixão! ainda mais com a citação de Calligaris!

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  3. Tenho este livro de Martha...Doidas e Santas...um espetáculo de bom humor e verdade femininas. E esta há tempos é de longe, minha crônica preferida. Tbm tenho um blo, onde posto poesias minhas...ficarei feliz com uma visita sua.. : ) http://poedeque.blogspot.com

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  4. Para mim é a melhor crônica do "Doidas e Santas". Maravilhosa!

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  5. Foi usado como base da minha festa de 15 anos

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  6. Não vejo como dicotomizar este assunto. Ter uma vida interessante em primeiro lugar, enfrentando os riscos e desafios para conquistar seu espaço, talvez seja o melhor caminho para, depois das batalhas ganhas e perdidas, ter uma vida feliz. Ter uma vida feliz seria o momento do descanço e usofruto depois de uma longa vida interessante.

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  7. com licença: atentei para o parágrafo após o destaque: "Para os rotuladores...". Com licença: Quer dizer que a sra. Martha Medeiros, a dona da verdade, diz que pessoas interessantes devem ser bláblábláblá? A dita senhora rotula todos os demais seres humanos como desinteressantes?
    Que inconsequência verbal! Já pensou a moçada indo atrás e matando os pais de infarto?
    Pois bem, eu sou muito interessante, a meu ver e a de muitas pessoas, bem como acho interessantes pessoas inconsequentes que conheço. Não coloco rótulos, apenas vejo meus pares.
    Alguns "filósofos", "psicólogos", etc., publicam algumas bobagens, aceitas por pessoas incautas, ficam famosos e daí deitam e rolam.
    Aliás, me parece que a autora do texto não segue seus próprios conselhos porque fica bem confortável, publicando ideologias sem fundamento, critério, ciência, pesquisa, nada! Confortável posição onde não vejo desafio algum!
    Com licença, poupem meus olhos com esta leitura descredenciada, sem fundamento cientifíco e de brilho falso.
    ps. o texto veio para no meu face sem ter sido convidado. procurei a página dele e cá estou, caso contrário, jamais.

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    1. olhando por esse prisma.... vc também está certo

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    2. Este texto não é para aqueles que estão felizes com a vida que tem. Muito menos para os que jamais trocariam uma vida infeliz por uma tentativa de felicidade em um mundo desconhecido. Tenho dois filhos, e sei o quanto desejamos a eles uma vida feliz, dentro dos padrões estabelecidos:"ter uma boa profissão, casar, ter filhos e ser feliz para sempre". Acontece que na maioria das vezes a vida nos passa uma rasteira e essas coisas não acontecem. Neste momento eu abro mão de toda estabilidade que desejei aos meus filhos, e desejo que eles busquem uma vida mais interessante, mesmo que isso custe a instabilidade da vida. Procuro ensinar a meus filhos que devem estar preparados para assumir os riscos de ter arriscar uma vida diferente, pois essa é a maior riqueza que alguem pode possuir, o "poder de decidir tentar uma vida diferente".

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    3. "...poupem meus olhos com essa leitura..."

      PEDIDO CONCEDIDO!!

      Volte para sua leitura credenciada, fundamentada cientificamente e brilhante como ouro. Encontre sua posição confortável e desafiadora...e ..

      LIVE US ALONE!!!

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  8. Não saber interpretar as entrelinhas dá nisso... julgamento distorcido dos fatos!

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  9. Em qual livro eu encontro este conto????

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  10. É certo que o texto poderia ser fundamentado. E não faltaria filósofos e artistas para ajudar, começando por Horacio. Porém, não deixa de ser "interessante", principalmente por abrir um novo ângulo de visão, questionando os padrões -o que é muito bom- ja que todo padrão é um discurso do poder. E se pensarmos nas milhares de pessoas que se deixam dominar, pretendendo alcançar a realização dos padrões sociais, sendo escravas das coisas, metas e pessoas, não me parece mal, mostrar outros ângulos e com ele, outras formas de felicidade.

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