"Primeiro Deus criou o homem, mas depois... bom, depois Ele teve uma idéia melhor", bem melhor!

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

DISCUTIR A RELAÇÃO



Todas as DOIDAS e todas as SANTAS, com certeza, já discutiram a relação. 
Exagero?
Vamos aos fatos:

A verdade é que DISCUTIR A RELAÇÃO é uma invenção muito moderna. Tenho certeza que no tempo da minha adorada avó Suely, isso não existia! Afinal, quando o namorado ou a namorada chegava para o outro e dizia: "Sabe, eu estive pensando...” Pronto, não era necessário dizer mais nada, o outro já sabia que era o fim. Não havia mais o que discutir. Saía cada um para o seu lado dizendo que houve apenas uma "incompatibilidade de gênios". Isso resolvia tudo. E tem outra: ou os meus pais eram muito discretos ou nunca discutiram a relação. Nem mesmo a relação sexual.
Mas o mundo girou e vieram os psicanalistas. Foram eles que instigaram as mulheres a DISCUTIR A RELAÇÃO. E tô mentindo? Não é sempre as mulheres que começam  e acabam as discussões e as relações. Os terapeutas colocam na cabeça da gente que devemos dizer tudo que pensamos da pessoa amada para a pessoa amada e não para o melhor amigo.
Mas, antes de surgir a expressão DISCUTIR A RELAÇÃO, tivemos outros nomes para a mesma desgastante peleja. "Vamos dar um tempo' não durou muito. Depois surgiu "Nossa relação está desgastada". Por que não "gastada"?
Hoje, modismo ou não, não há casal que não DISCUTA A RELAÇÃO, pelo menos uma vez por semana, igualando ao número de atividades sexuais. DISCUTE-SE A RELAÇÃO nos mais variados lugares. Alguns sombrios, outros perigosos.
O melhor lugar para se discutir a relação é na sala. Está-se próximo do uísque, da televisão que pode ser ligada a qualquer momento e mesmo da porta, para uma saída furtiva e quase sempre covarde. E é ótimo DISCUTIR A RELAÇÃO andando em círculos, com um copo na mão, um ouvido na fera e um olho no futebol. Sim, as mulheres adoram esta atividade aos domingos. Eu tenho um amigo que, quando quer sair sozinho com os amigos, diz: "Vou até lá em casa e dou um jeito de DISCUTIR A RELAÇÃO com a patroa, ela fica irritada e eu tenho um motivo para voltar aqui para o bar'. Essa é ótima!
DISCUTIR A RELAÇÃO no quarto só tem duas saídas. Tudo terminar numa belíssima e lacrimejante cena de amor ou a ida de um dos dois para o outro quarto. No quarto, é impossível se tratar deste assunto impunemente. Principalmente se os dois atletas estiverem deitados. E nus.
No carro, é um perigo. Deveria haver multa para esses casais que colocam em risco não apenas a vida deles, como também dos transeuntes e demais carros. DISCUTIR A RELAÇÃO dentro do carro sempre acaba em trombada na cara. E quem está dirigindo leva sempre a pior. Ou então propor um rodízio. Segunda, não discutem casais com final 1 e 2. Terça, 3 e 4. E assim por diante.
Agora, não há nada mais desagradável do que DISCUTIR A RELAÇÃO por telefone. É um horror. Geralmente é de madrugada. Longos silêncios... "Você está me ouvindo? Você está aí?" A gente não vê os olhos da outra pessoa, o sarcástico sorrisinho, a pequena lágrima rolando. Sem falar na conta do telefone. Já passei por isso e não quero mais. DISCUTIR A RELAÇÃO no telefone nunca mais!
E no restaurante, vocês já repararam? Sempre tem alguns casais que chegam calados, comem calados e calados saem. Um não dirige a palavra para o outro. Ledo engano. Eles estão, em silêncio, DISCUTINDO A RELAÇÃO. Acho uma covardia DISCUTIR A RELAÇÃO em silêncio. Eles não falam nada. Ela fica quebrando palitos e ele rasgando o guardanapo de papel. Imundando o restaurante.
Já os mais modernos DISCUTEM A RELAÇÃO via Internet. Ele digita um disparate para ela na Vila Madalena, o texto vai para um satélite, dali vai para Columbus (Ohio, USA), volta ao satélite, baixa na central do Rio de Janeiro e, finalmente, entra no computador dela em Pinheiros, a uns 500 metros de distância. Depois é a vez dela fazer o mesmo. Coitado do satélite que tem que decifrar aqueles palavrões todos. Em português, é claro!
Mas o pior não é DISCUTIR A RELAÇÃO. O pior é pagar fortunas a um profissional, sentar-se numa poltrona ou divã e ficar ali, durante 50 minutos, por intermináveis semanas, meses a fio, anos seguidos, repetindo tintim por tintim como foi a nossa última conversa com o ser amado, fazendo um esforço danado para lembrar fala por fala, todos os diálogos. E o terapeuta lá, com aquele olho de peixe morto, caído, quase bocejando, ouvindo, pela oitava vez, naquela mesma tarde, a mesma nauseante história de amor.
Sim, porque com ele a gente não DISCUTE A RELAÇÃO. Discutimos, no máximo, o preço. Da nossa dor.

Texto extraído do livro “100 crônicas de Mário Prata”, Cartaz Editorial – São Paulo, 1997, pág. 163.

2 comentários:

  1. Adorei o texto! pura realidade!
    quero comprar este livro HAHA

    DR no telefone num dá, viu gente?
    HASUHSUHAUH
    xoxo

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  2. Realmente voce é especial, que sensibilidade!!!

    Parabéns!!

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