"Primeiro Deus criou o homem, mas depois... bom, depois Ele teve uma idéia melhor", bem melhor!

terça-feira, 22 de março de 2011

Viver ou deixar para mais tarde?

Trecho do livro Divã, de Martha Medeiros:

Mônica me disse outro dia que sente inveja de mim porque eu não tenho medo de nada. Eu respondi, como assim? Eu morro de medo de um monte de coisas. Diz uma, ela me provocou. Tenho medo da morte, falei. Ah, essa não vale, quem não tem? Já eu tenho medo de cachorro, medo de altura, medo de andar de Kombi, medo de ficar sem dinheiro... Mentira, Mônica, você é valente, esses medinhos aí não contam. E ela: mas nem medinho você tem, criatura. Diz pra mim um.

Lopes, fiquei ali pensando. Medo do escuro? Já tive, hoje não. Medo de avião? Nenhum. E no entanto sinto um medo asfixiante, um medo que não consegui explicar pra Mônica porque não é um medo catalogado, não é assim como um medo de cobra, trovão, seqüestro. Eu teria medo de saltar de pára-quedas, eu acho, mas isso nem se compara com o medo que eu sinto de mim.”

Ontem à noite, antes de dormir, abro ao acaso este livro e o trecho salta-me aos olhos. Incrível falar de medo, se este é o sentimento que me atormenta. Mas que medo exatamente? Medo de mim? Medo das minhas escolhas? Medo de amar? Parece absurdo, com tantos outros medos que temos que enfrentar: medo da violência, medo da inadimplência, e a não menos temida solidão, que é o que nos faz buscar relacionamentos. Mas absurdo ou não, o medo de amar se instala entre as nossas vértebras e a gente sabe por quê. O amor, tão nobre, tão denso, tão intenso, acaba. Rasga a gente por dentro, faz um corte profundo que vai do peito até a virilha, o amor se encerra bruscamente porque de repente uma terceira pessoa surgiu ou simplesmente porque não há mais interesse ou atração, sei lá, vai saber o que interrompe um sentimento, é mistério indecifrável. Mas o amor termina, mal-agradecido, termina, e termina só de um lado, nunca se encerra em dois corações ao mesmo tempo, desacelera um antes do outro, e vai um pouco de dor pra cada canto. Dói em quem tomou a iniciativa de romper, porque romper não é fácil, quebrar rotinas é sempre traumático. Além do amor existe a amizade que permanece e a presença com que se acostuma, romper um amor não é bobagem, é fato de grande responsabilidade, é uma ferida que se abre no corpo do outro, no afeto do outro, e em si próprio, ainda que com menos gravidade. E ter o amor rejeitado, nem se fala, é fratura exposta, definhamos em público, encolhemos a alma, quase desejamos uma violência qualquer vinda da rua para esquecermos dessa violência vinda do tempo gasto e vivido, esse assalto em que nos roubaram tudo, o amor e o que vem com ele, confiança e estabilidade. Sem o amor, nada resta, a crença se desfaz, o romantismo perde o sentido, músicas idiotas nos fazem chorar dentro do carro. Passa a dor do amor, vem a trégua, o coração limpo de novo, os olhos novamente secos, a boca vazia. Nada de bom está acontecendo, mas também nada de ruim. Um novo amor? Nem pensar. Medo, respondemos.

Que corajosos somos nós, que apesar de um medo tão justificado, amamos outra vez e todas as vezes que o amor nos chama, fingimos um pouco de resistência, mas sabemos que para sempre é impossível recusá-lo.